"Sim, eu esqueci meu filho no carro. E já aviso: apesar de muito destrambelhada, sou completamente galinha com eles. Boto embaixo da asa. Sou leoa feroz quando é preciso. Defendo a qualquer custo. Meu tempo e dinheiro são deles. Todo o meu afeto também.
Mas enquanto a gente dirige rumina afetos, desafetos, compromissos. Já sai de casa com o coração apertado de medo e de amargura de chegar num trabalho ruim. O corpo está no carro. A mente vai longe.
Então a gente está e não está ali. Já dirige se afogando na pressa do ponto a ser batido, do medo do desconto, das contas que têm que fechar no fim do mês. O corpo é presente. A alma, só Deus sabe.
Às vezes dirijo rezando, porque alguém há de me escutar e aplacar minhas aflições. Nelas me afogo e esqueço dos filhos. Do sinal que abriu. Dos abraços que preciso dar nos que amo e estão por aqui.
Levava meu filho para a escola. Ele já adolescente sentado ao meu lado na frente. Filhas falam. Filhos calam. Aqui em casa funciona assim. O filho sintonizava rádio na sua frequência favorita. Abria sua revista favorita. E me dava a honra de lhe conduzir à escola.
Não trocava nenhuma palavra comigo! Eram assim nossos inícios de manhãs. Para motorista profissional só me faltava o quepe e o salário. Passava na porta do meu trabalho, fazia uma volta grande para deixá-lo na escola e voltava.
Nesse dia, afogada em pensamentos, esqueci da criatura que mudo me ignorava. Parei o carro direto no meu trabalho. Desliguei o ar e o rádio. Tirei a chave da ignição. Virei para pegar minha bolsa. Dei de cara com ele e dei um pulo com o susto que tomei.
Ao meu lado, completamente desligado e ainda lendo sua revista: meu carona! Dei um grito como se não fosse para ele estar ali. Não há sentido no que conto. Mas, acredite, foi assim.
- Garoto o que você está fazendo aqui?
Ele, surpreso com minha pergunta, respondeu suavemente:
- Esperando você ligar o carro e me levar para a escola.
- Eu esqueci que você estava aqui! Esqueci completamente!
- É, eu percebi.
Liguei o carro e segui a rotina do dia.
Eu esqueci de um menino de um metro e oitenta e cinco, na época! Sentado ao meu lado! Imagina um bebê dormindo no banco de trás? Estamos esquecendo os filhos porque estamos esquecendo de nós.
Levamos uma vida cachorra! Seca, corrida, difícil. Não temos nem tempo de nos queixarmos. Não temos tempo nem de chorar. E quem já passou por isso sabe bem. Filho pequeno é treino aeróbico. Não tem intervalo, férias, nem fim. É exaustão pura.
Quando estamos bem, olhamos para trás. Admiramos a cria. Nos encantamos com a cena do pequeno dormindo feliz, único momento de descanso. Agradecemos ao universo pelo ser que recebemos. E, claro, não esquecemos o filho!
Quando a vida esfola e a gente urra de dor, é difícil dar conta de tudo. É difícil dar conta dos filhos. Nem sempre estamos bem. Acontece.
Seguimos numa roda viva louca. É a nossa vida que não enxergamos mais. Nossa vida esquecida no banco de trás. Amarrada amorosamente no banco de trás para que um dia a gente tenha tempo de cuidar. É ela que nos perturba, nos tira do sério. Nos angustia.
É nossa criança interior que esquecemos de tirar do carro e levar para rir, brincar, cantar e dançar. Para que não desidrate e não tenha insolação com o tanto de problemas que pegam fogo dentro de nós.
Morro de pena dos pais que hoje sofrem com esse esquecimento. Não julgo. Como podem ver, eu também já esqueci o meu. Perder um filho é uma dor insana. Ferida sem cura para carregar pela vida.
Matar um filho sem ter essa intenção é desesperador. Que esses tristes casos nos sirvam de alerta.
É preciso viver melhor. É preciso estar mais perto. Ruminar menos, se divertir mais. Trabalhar menos, aproveitar mais. Pensar menos, olhar no olho mais. Porque nessa vida tão curta de certo só temos o amor.
Mande sua história para monica.bayeh@extra.inf.br"
Fonte: Dona Joaninha Brechozito Infantil
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